segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Capa do DVD de S. Bernardo

O lançamento em DVD da versão restaurada do filme S. Bernardo, de Leon Hirszman, foi o "gancho" de uma boa reportagem de Rafhael Barbosa para o jornal Gazeta de Alagoas de ontem (domingo). É a capa do caderno de cultura, ocupa metade de suas páginas. Leitura recomendada.

Antes mesmo de ler a matéria, eu havia prometido ao Rafhael "falar mal" dela, "desconstrui-la", e ele até gostou da idéia. Tinha minhas razões. Primeiro, porque é divertido desancar obra alheia. Sabe-se o quão revigorante é fazer propaganda dos (supostos) defeitos dos outros. Tem gente que não passa um dia sem tomar pelo menos uma dose desse energético. Segundo, porque falar mal rende audiência, e eu não estou gostando nada de pregar no deserto aqui no blog. Afinal, juro que tentei, mas o texto me agradou, não teve jeito; ele cumpre seu propósito, que é generoso como devem ser os propósitos. Me desculpe, Rafhael, quem sabe na próxima...

Clicando aqui, você - o misterioso interlocutor de meu monólogo - pode ler trechos da reportagem, intitulada "Maior que o passado".

* * *

Para que não me acusem de indolência, voilà uma criticazinha: na primeira parte da reportagem, há o entretítulo "No limiar da tensão". Lendo-se o texto, percebe-se que o sentido pretendido pelo autor é o da tensão levada aos extremos, aos limites. O dicionário, esse "patinho feio" de nossas estantes, não aceita tal sentido. É isso.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

VIDAS SECAS, 70 ANOS (2)

Continuação do post anterior

PARA VER

Infelizmente, não terei condições de dar detalhes sobre os três filmes selecionados. Só direi que fazem parte da curta lista de clássicos do cinema nacional e são baseados nas obras de títulos homônimos. São eles:

Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos
São Bernardo (1972), de Leon Hirszman
Memórias do Cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos

Agora, um documentário recente:
Graciliano Ramos - Literatura sem bijouterias (2001), da série Mestres da Literatura da TV Escola. Direção e roteiro do pernambucano Hilton Lacerda, um dos principais cineastas do país nos últimos dez anos. Realização: Pólo Imagem e TV PUC para a TV Escola/MEC. Duração: 20' 02". O vídeo está no Youtube, dividido em três partes: parte 1, parte e parte 3.

PARA LER
Visão de Graciliano Ramos
(1943), ensaio de Otto Maria Carpeaux (1900-1978). Nascido na Áustria, Carpeaux mudou-se para o Brasil após a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Ele trabalhou com Graciliano no legendário Correio da Manhã. Foi um dos mais importantes pensadores da literatura no país. A editora da UniverCidade e a Topbooks vêm tocando o projeto de relançar sua obra completa. Já saíram dois volumes dos Ensaios Reunidos. Na bibliografia de Carpeaux, destaque para a monumental História da Literatura Ocidental. O ensaio aqui indicado foi originalmente publicado no livro Origens e Fins (Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1943). Pode ser lido clicando aqui.

Graciliano Ramos: Da piedade intransitiva (2003), ensaio de Reinaldo Azevedo (1961). Articulista da revista Veja, um dos mais polêmicos críticos politicos da atualidade, Reinaldo reuniu no livro Contra o consenso (São Paulo: Barracuda, 2005) parte de suas análises literárias. Entre elas, o ensaio aqui citado, originalmente publicado na extinta revista Primeira Leitura. O texto não está disponível na Internet. Em 2008, Reinaldo publicou seu segundo livro, O País dos Petralhas (editora Record). Também vale a pena dar uma olhada em seu blog.

VIDAS SECAS, 70 ANOS (1)

Em 2008, foram celebrados os 70 anos da primeira edição do romance Vidas Secas, do escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953). Até foi lançada uma edição comemorativa pela Record, editora responsável pela republicação das obras do autor. (Clique aqui para assistir a um vídeo curtinho sobre a nova edição, produzido pela TV Globo do Rio de Janeiro.)

O blog voltando à terra vem trazer sua singela contribuição às homenagens e discussões. No post seguinte (acima), são indicados três filmes baseados em romances do autor e um documentário disponível no Youtube. Também são recomendados dois textos críticos, distantes 60 anos um do outro: o primeiro é de 1943, apenas dez anos após a estréia literária do Graciliano, com o romance Caetés; o outro é contemporâneo nosso, publicado em 2003. Bom proveito!

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Não sei como a imprensa alagoana tratou a efeméride. Seja como for, é o caso de aproveitar a ocasião para lembrar o que talvez tenha sido a “época de ouro” literária das Alagoas - estado que tem entre suas últimas proezas o pior desempenho do país no Enem. Entre o final da década de 1920 e o início dos anos 30, conviveram em Maceió os alagoanos Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Aurélio Buarque de Holanda e Valdemar Cavalcanti - crítico hoje pouco lembrado -, além de José Lins do Rego (que lá publicou seu Menino de Engenho) e Rachel de Queirós. Havia ainda outros intelectuais importantes, mas de menos renome. Para saber mais sobre o período e o “poderoso grupo de escritores que vivia em Maceió”, nas palavras de Jorge Amado, ler, na Internet, dois artigos de Luiz Ruffato, que tratam da “longa distância que separa o Regionalismo de 30 dos preceitos da Semana de Arte Moderna de 22”.

domingo, 30 de novembro de 2008

Ótima notícia

O segundo número da revista semestral Dicta & Contradicta já está prontinho e à venda, no site da Livraria Cultura. O lançamento será dia 8, em São Paulo. Abaixo, vai o convite.

A Dicta é editada pelo Instituto de Formação e Educação (IFE). O primeiro volume saiu em junho deste ano. Para saber mais sobre a obra e o espírito que lhe dá alento, ver o site "institucional" - onde há um "sobre a revista" -, a entrevista do presidente do IFE sobre a Dicta e o editorial da primeira edição.

Pedro Sette Câmara, um dos autores do site O Indivíduo e colunista da revista, escreveu sobre ela à época de sua estréia:

a principal virtude da D&C é ter sido escrita para os leitores - e sem subestimá-los. Acho que uma das atitudes mais abjetas perpetuamente em voga no Brasil é sempre supor que “o público” é composto de idiotas para quem tudo deve ser diluído e piorado, o que não passa de uma máscara de elitismo condescendente para a preguiça ou incapacidade de escrever qualquer coisa com clareza. Por isso, se eu tivesse que destacar uma virtude da D&C, ela está em os textos serem densos sem ser “acadêmicos”, agradáveis de ler e interessantes (e espero que isso se aplique também ao que eu escrevi). Creio que o projeto não tem paralelo em nosso idioma, e é inspirado na New Criterion.


O homem comum

Lembrei-me também da difinição de "homem comum" dada por Ludwig von Mises, o economista autríaco. Achei-a em uma nota de rodapé ao livro "Como vencer um debate sem precisar ter razão", de Schopenhauer. A nota é de Olavo de Carvalho, que é também o tradutor (editora Topbooks). Vamos à nota (palavras de Olavo em itálico, Mises em negrito):

Uma boa definição de “homem comum” está em Ludwig von Mises, "A Ação Humana. Um Tratado de Economia", trad. Donal Stewart Jr., Rio, Instituto Liberal, 2ª ed., 1995, p. 49:

“O homem comum não especula sobre os grandes problemas. Ampara-se na autoridade de outras pessoas, comporta-se ‘como um sujeito decente deve comportar-se’, como um cordeiro no rebanho. É precisamente esta inércia intelectual que caracteriza um homem como um homem comum. Entretanto, apesar disso, o homem comum efetivamente escolhe. Prefere adotar padrões tradicionais ou padrões adotados por outras pessoas porque está convencido de que esse procedimento é o mais adequado para atingir o seu próprio bem-estar. E está apto a mudar sua ideologia e, consequentemente, o seu modo de ação, sempre que estiver convencido de que a mudança servirá melhor a seus interesses.”

Essa definição destaca dois traços: a passividade intelectual e a sujeição das idéias à comodidade pessoal ou à busca do conforto psicológico. Quando se dá ao jovem a ilusão de que ao aderir às modas e crenças de sua geração ele está se libertando e se individualizando, em vez de adverti-lo de que o faz por inércia e por busca de segurança psicológica, o resultado que se obtém é incutir nele o mais perverso dos conformismos. O homem não se liberta do “espírito de rebanho”, de que falava Nietzsche, simplesmente por passar de um rebanho mais velho a um mais novo.

Ortega y Gasset nos acuda

E quero crer que, ao falar de “medianos insatisfeitos”, afaste de nós o risco do “homem-massa” de Ortega y Gasset. Não é pouca coisa. Aliás, é um elogio e tanto, a nós – a mim e ao “hipócrita leitor, meu igual, meu irmão” (Baudelaire). (Quem sabe assim eu atraia alguma simpatia.) Os medianos insatisfeitos estaríamos em algum ponto entre o "homem seleto" e o "homem vulgar". E aqui está minha contribuição ao trabalho de Gasset.

*
Pois bem, aqui vou de Ortega y Gasset, citado por Reinaldo Azevedo em seu blog, em outubro de 2006 (palavras de Reinaldo em itálico, Gasset em negrito; ainda não descobri como usar as cores):

Aos civilizados, deixo um trecho do capítulo 7 de A Rebelião das Massas, chamado “Vida Nobre e Vida Vulgar ou Esforço e Inércia”.

(...)
O homem que analisamos habitua-se a não apelar de si mesmo a nenhuma instância fora dele. Está satisfeito tal como é. Ingenuamente, sem necessidade de ser vão, como a coisa mais natural do mundo, tenderá a afirmar e considerar bom tudo quanto em si acha; opiniões, apetites, preferências ou gostos. Por que não, se, segundo vemos, nada nem ninguém o força a compreender que ele é um homem de segunda classe, limitadíssimo, incapaz de criar nem conservar a organização mesma que dá à sua vida essa amplitude e esse contentamento, nos quais baseia tal afirmação de sua pessoa?

Nunca o homem-massa teria apelado a nada fora dele se a circunstância não lhe houvesse forçado violentamente a isso. Como agora a circunstância não o obriga, o eterno homem-massa, conseqüente com sua índole, deixa de apelar e sente-se soberano de sua vida. Contrariamente, o homem seleto ou excelente está constituído por uma íntima necessidade de apelar de si mesmo a uma norma além dele, superior a ele, a cujo serviço livremente se põe. Lembre-se de que, no início, distinguíamos o homem excelente do homem vulgar dizendo: que aquele é o que exige muito de si mesmo, e este, o que não exige nada, apenas contenta-se com o que é e está encantado consigo mesmo. Contra o que sói crer-se, é a criatura de seleção, e não a massa, quem vive em essencial servidão. Sua vida não lhe apraz se não a faz consistir em serviço a algo transcendente. Por isso não estima a necessidade de servir como uma opressão. Quando esta, por infelicidade, lhe falta, sente desassossego e inventa novas normas mais difíceis, mais exigentes, que a oprimam. Isto é a vida como disciplina – a vida nobre –. A nobreza define-se pela exigência, pelas obrigações, não pelos direitos. Noblesse oblige. “Viver a gosto é de plebeu: o nobre aspira a ordenação e a lei” (Goethe).

Os privilégios da nobreza não são originariamente concessões ou favores, mas, pelo contrário, são conquistas, e, em princípio, supõe sua conservação que o privilegiado seria capaz de reconquistá-las em todo instante, se fosse necessário e alguém se lho disputasse. Os direitos privados ou privilégios não são, pois, posse passiva e simples gozo, mas representam o perfil onde chega o esforço da pessoa. Contrariamente, os direitos comuns, como são os “do homem e do cidadão”, são propriedade passiva, puro usufruto e benefício, tão generoso do destino com que todo homem se encontra, e que não corresponde a esforço algum, como não seja o respirar e evitar a demência. Eu diria, pois, que o direito impessoal se tem e o pessoal se mantém."

São palavras de pura iluminação. Que sentido farão hoje em dia? De novo, não dou a menor pelota pra isso.

Medianos inconformados

À maneira de Antonio Fernando Borges, faço esse blog “não com qualquer sentimento de novidade, mas de liberdade.” Mas, claro, Borges é desses que dão à palavra liberdade um brilho de coisa viva e palpável. Já eu me contento – mentira: estou sempre insatisfeito – em trazer, escondido no bolso das calças, um pouco do que ela tem de formal e bem-intencionada; ela sempre me chega com um bolor de chavão. Ainda, no caso de Borges, a blogosfera ganhou (em julho de 2007) um baita reforço; é o caso de alguém absolutamente acima da média. Já eu sou mais um. E só foi depois de me assumir, humildemente – desconfiem... –, como mais um, que tive a plácida sanha de criar esse blog. Aqui, as pessoas medianas e insatisfeitas encontram um igual, um parceiro de medianias e insatisfações. Medíocres inconformados, uni-vos! Mas não passem muito tempo sem visitar blogs como o de Borges e o de Sette Câmara et al. (O Indivíduo). Nem sem ler Fernando Pessoa – suportemos heroicamente a humilhação, é para o nosso bem. Afinal, sempre fica a esperança de um dia “agregar valor” – nossa mãe! – e não ser mais mediano, não.